Nós somos o gol do Luan (Fred Melo Paiva)

Que momento mágico foi aquele do gol do Luan! Sua trama – e o seu drama – é a síntese de tudo o que este Galo hoje representa: a nossa incrível volta por cima, a possibilidade cada dia mais real da definitiva redenção, o paraíso que a gente tanto merece e que sempre nos escapa. A literatura, o cinema, as artes em geral são capazes de explicar nossas mazelas e traduzir nossas esperanças. O gol do Luan consegue a mesma proeza – é uma peça de Shakespeare.

Começa com o Ronaldinho na lateral esquerda. Ele domina a bola, puxa daqui, puxa dali, aquela habilidade dos Globetrotters. Em 2006, por ocasião da Copa, foi chamado de “malabarista de farol” – o sujeito que faz o seu show, mas, quando abre o sinal e a vida é pra valer, se recolhe ao meio-fio aguardando nova oportunidade para ser irrelevante.

Era só tocar pro lado, um fundamento ordinário – mas Ronaldinho é um poeta. Joga com um olho só, machucado, num evidente sacrifício. Eu ainda me pergunto: mas por quê? Um cara que já ganhou tudo... Por quê? Porque “aqui é Galo, é Galo, é Galo!” Aqui ele viu subir a bandeira da dona Miguelina, aqui ele foi abraçado depois do massacre criminoso imposto a ele e à sua família pelo Flamengo e por 99% da crônica esportiva.

Assim como Drummond não escreveria nem um post it como fazem os mortais, R10 entrega a bola ao Tardelli com a fantasia do poeta. Tardelli arranca com ela, infiltra pelo meio, é um craque. Dom Diego é o atleticano em campo, 100% Galoucura. Sua paixão pelo Atlético o tirou de Rio e São Paulo e, por consequência, da Copa de 2010 e da Seleção de 2013. Mas ele não tá nem aí – renasceu no Galo, não vestirá outra camisa. O Cuca ia sacá-lo do time, mas ele pediu pra ficar. Já tinha feito um golzinho salvador. Agora conduz a bola e, como se encarnasse o Ronaldinho (é quase um), dá aquele passe magistral – que não é um passe, é um “Chupa, Felipão!”, um tapa de chuteira soçaite naqueles que o qualificam como um jogador comum.

Então, vem o Luan na entrada da área, tromba, acredita. E como não haveria de acreditar? Luan foi abandonado na infância, candidato a marginal, postulante no máximo a uma vida medíocre. O chute rasteiro, a bola milimétrica entrando aos 46min. O choro do Luan é o nosso choro: o nosso pão que, pelo amor de Deus, um dia ainda há de cair com a manteiga pra cima. Ele arrematou assim sua comovente entrevista no fim do jogo: “Valeu, Galo!”. Um cara desse merece tudo na vida. Como o atleticano. Valeu, Luan!

Acordo na sexta-feira e vejo uma foto da Agência Reuters – uma foto do banco do Galo na hora do gol. O Cuca em primeiro plano, transtornado, como a exorcizar os demônios que inventam pra ele. O Jô está atrás, um metro acima de sua cabeça, socando o ar como o Pelé – socando todos aqueles que colaram nele o rótulo de cachaceiro. O Belmiro incrédulo, como se tivesse chegado a sua hora. E a rapa toda correndo pra abraçar o Luan. É de chorar. Valeu, Galo!