GALO DOIDO: O atleticano a dois passos do paraíso

"Cuca desaba no gramado com a cara no chão e os braços estendidos pra frente. Já chorei tanto vendo isso que agora tô bebendo Gatorade pra não desidratar"

Quarta-feira passada, no Independência, o atleticano viu Lee Oswald atirar em John Kennedy, o atleticano pisou na Lua, marchou sobre Havana depois do réveillon e tomou o poder, derrubou o muro de Berlim, viu de uma cobertura em frente desabarem as torres do World Trade Center. O atleticano que foi ao Horto viu a História se desenrolar na sua frente. Daqui a 100 anos, se for longevo como um jabuti, dirá a seus tataranetos: “Eu vim, vi e venci. Eu estava lá. Eu acreditei”.

A uruca desgarrou de nós. A inhaca saiu. Posso vê-la escorrendo pelo ralo quando banho meus chacras com o sabonete da Libertadores, a esta altura já limitado a um único, mas valoroso, centímetro quadrado. O atleticano está parecendo crente em sessão de descarrego: os encostos todos vão saindo enquanto a gente se debate nas arquibancadas do Independência. Fecho os olhos e digo pra mim mesmo: “Sai, 1980! Sai, 81! Sai, 85! Sai, 1999! Sai, 2005, deste corpo que não te pertence!”

O Cuca de joelhos foi pra mim a cena mais comovente daquela mítica quarta-feira. Há uma imagem sensacional: o Cuca está de costas, ajoelhado, e ao fundo se pode ver o Victor – nosso octopus de 11 milhões de pernas – voando para pegar o último pênalti. Cuca desaba no gramado com a cara no chão e os braços estendidos pra frente. Já chorei tanto vendo isso que agora tô bebendo Gatorade pra não desidratar.

O que terá passado pela cabeça do comandante naquele momento mágico? O que terá dito ele a Nossa Senhora? Naquele momento em que Deus desligou o disjuntor, o que o Cuca falou para os nossos jogadores? Que estranha esperança tinha ele quando tirou Tardelli e Bernard para colocar Guilherme, Alecsandro e o seu na reta? Eu vi o Cuca de joelhos e não enxerguei o Alexi Stival – vi foi o Alex Fergusson, que dirigiu o Manchester United por 26 anos. Se eu fosse o Kalil, inovava. E assinava com esse cara por mais 20 temporadas.

O Cuca é o próprio atleticano: o azarado que não perde a fé, o azarado que no fundo não crê em azar, que trabalha duro e espera por seu dia de glória, que há de chegar. Quando o Cuca ganhar – e quando o Atlético ganhar –, não celebraremos apenas uma conquista, um jogo, um campeonato de futebol. Celebraremos a vida e a incrível mania que ela tem de colocar as coisas no lugar, de ser justa com quem merece. Ninguém merece mais do que o Cuca, ninguém merece mais do que o atleticano.

Eu fico impressionado com o enredo que o Atlético proporciona. Isso não é um clube de futebol – é a Cinecittà, é Hollywood, é a companhia de teatro do Shakespeare. Senão, como explicar o gol de Guilherme aos 50min do segundo tempo? Esse elenco do Galo busca sua redenção definitiva desde os 6 a 1 de 2011. Cuca, R10, Jô, o presidente Kalil – que volta por cima não dará esse pessoal quando der a volta olímpica no dia 24! Ave Maria! Quer dizer, sem essa de Maria.

Agora o atleticano está a dois passos do paraíso. Ele, que já bebeu tanto uísque paraguaio, que já se afogou em tantos Old Eights nesta vida, está a dois passos de um legítimo black label – black and white label. Depois disso já poderemos morrer em paz, com a bandeira mais bonita do mundo sobre os nossos caixões. Antes, a gente enfarta, mas não morre.